segunda-feira, 22 de julho de 2013

Capitulo 9 - "Amo-te Carolina"

       
       Quando acordei Afonso já se tinha ido embora. Levantei-me e fui dar um beijinho à minha mãe que ainda estava a dormir. Desci as escadas, comi uma taça de cereais, vesti o casaco e sai porta fora... E esbarrei-me contra Afonso.
       -Que susto! O que é que estás aqui a fazer?
       -Desculpa, ia tocar à campainha para ver se estavas em casa...
       -Hum, pois, aparentemente estou... - Afonso estava com um ar envergonhado e a passar a mão pela nuca... Tinha bastantes certezas de que era uma espécie de sinal de nervosismo.
       -Queres.. Hum... Queres que te dê boleia para a escola?
       -Na mota?
       -A não ser que queiras ir a voar! - O nervosismo desapareceu e Afonso lançou-me um grande e rasgado sorriso com direito a uma gargalhada.
       -Ah.ah.ah, esse humor angelical logo pela manhã mata-me! - Dei-lhe um soco no braço e pus o capacete que ele me estendia.
       Estávamos na segunda aula da manhã e assim que tocou saíram todos disparados para ir almoçar.
       -Carolina, preciso de falar contigo…
       -Sim?
       -Anda, aqui não. – Afonso puxou-me por um braço para trás da escola, onde dois jovens estavam a almoçar-se um ao outro… Afonso tossiu sonoramente. – Importam-se? – Eles levantaram-se com cara de poucos amigos.
       -Então, que me querias dizer?
       -Tenho uma pista sobre o colar...
       -A sério? Como?
      -Pesquisei num livro antigo e descobri que uma senhora que por sorte mora apenas a uns kilometros daqui tem informação que pode ser bastante útil. Consegui um numero e a senhora diz que nos pode atender hoje às 23h… E sim, fiz isso tudo na minha "ida à casa de banho na primeira aula"
       -Wow, génio, mas “nos”?
       -Sim, precisamos de ti…
       -Mas ela sabe que…
      -Não! Não lhe disse nada sobre ti, ou sobre mim, ou sobre o colar, ela provavelmente pensa que somos mais um casal à procura de respostas sobre o mau funcionamento da sua vida sexual. – Afonso arrependeu-se da ultima parte, e começou a corar. – Ah, isso soava melhor na minha cabeça…
       -Chega de pormenores por hoje… - Fiz um esforço desumano para conter o riso. – Mas então vamos lá e qual é o plano?
       -Vimos se a mulher é um farsa, se não for tentamos obter informações…
       -E como pretendes descobrir se ela é uma farsa?
       -Sei lá… Temos de inventar uma história… E que tal se…
       -Disséssemos que somos um casal a procura de respostas sobre o mau funcionamento da sua vida sexual?
       -Só boas ideias, e como fazemos isso soar credível?
       -Nós descobrimos uma maneira… Mas não te aproveites…
       -Não é a minha intenção!
       Lancei-lhe um sorriso, ele piscou-me o olho e sem mais palavras cada um seguiu a sua direção. Senti o telemóvel vibrar e levei a mão ao bolso.
       *vou-te buscar às 22h*
       *a minha mãe sai a essa hora, cuidado para não seres apanhado se não tenho problemas*
       *a tua mãe não se chateava, eu sou um anjo*
       Um sorriso escapou-se por entre os meus lábios e fiz um enorme esforço para o mandar embora.
       O resto do dia passou-se com normalidade e quando dei por mim já era um quarto para as dez. Sequei o cabelo, dei um beijo à minha mãe e vesti-me assim que ela saiu. Deitei-me em cima da cama a ouvir musica, ia ser uma longa noite.
       Ouvi baterem na janela e vi que era Afonso.
       -Entra.
       -A sério que estás toda vestida de preto? Sabes que não vamos fazer um assalto, e a história do sexo não resultar não precisa de parecer tão deprimente! – Estavamos sozinhos no meu quarto e Afonso tinha acabado de mencionar “sexo” na sua primeira frase. Tinhamos ultrapassado uma barreira na nossa amizade.
       -Foi instintivo, nem tinha dado conta… Se calhar o meu subconsciente está-se a preparar parar ter de fugir da velha, e assim confundo-me melhor com a noite, e já que tu estás de branco podes sacrificar-te pela equipa!
       -Então somos uma equipa? Agrada-me…
       -Foi só isso que ouviste? – Revirei-lhe os olhos e fiz-lhe sinal para ele ir à frente. – Senhoras primeiro. – Com um sorriso irónico Afonso passou à minha frente e saiu do quarto.
       Liguei o alarme e tranquei a porta com duas voltas. Não me agradava sair de casa aquelas horas.
       -Wow! Tu tens um carro? – estava estupefacta, nunca o tinha visto a conduzir um carro.
       -Estás assim tão surpreendida? – Ele abriu-me a porta do passageiro e estendeu a mão para eu entrar. – Senhoras primeiro. – Com um sorriso irónico entrei dentro do carro.
       Não se via ninguém na rua aquelas horas, nem sequer carros. Era uma estrada pouco iluminada e Afonso fez questão de passar o limite de velocidade. Quase para o dobro!

*Afonso: on*
       O aspécto da loja não me inspirava confiança. Não queria que Carolina andasse por ali aquelas horas. Talvez fosse mais seguro para ela ficar no carro. Ela olhou para mim com os olhos brilhantes e uma expressão reticente.
       -Bem, chegamos…
       -Sim, mas está tudo escuro… Vou só ver se está mesmo lá alguém.
       -E vais deixar-me aqui sozinha?!
       -Calma, eu entro e venho logo buscar-te! Trancas a porta.
       -Hum, está bem, volta rápido…
       Custou-me deixá-la com aquela expressão de terror nos olhos, enquanto se abraçava a ela própria.
       -Estás com frio?
       -Não…
       -Estás sim… Toma o meu casaco.
       -Está, obrigada.
       Vi-a embrulhar-se no meu casaco e só o pequeno gesto deu-me uma sensação de confiança. Entrei na loja e não vi ninguém. Virei-me para trás e vi alguém demasiado belo para ser a velha de que falava o livro…
       -Olá lindo! – Vi algo metálico levantar-se na minha direção, mas antes de conseguir reagir ouvi uma pancada seca.

*Carolina: on*
       Afonso estava a demorar mais do que devia. Já se tinham passado quase vinte minutos e nem sinais dele. Agarrei-me ao seu casaco, que de certa maneira me deu força para continuar e sai do carro.        A porta rangeu e o som causou-me um arrepio na espinha.
       -Afonso? – Silêncio.
       De repende senti uma picada no coração. O colar saltitou no meu peito, e cai de joelhos no chão. A dor incendiava o meu corpo apartir de dentro e controci-me no chão. Afonso. Sabia que algo lhe tinha acontecido. Tentei erguer-me mas a dor era insuportável. Com a mão trémula e o maxilar cerrado aproximei o colar à minha boca e sussurrei as palavras que  Afonso me tinha ensinado numa das noites que passamos juntos. Segundo ele essas palavras iam erguer uma espécie de manto contra toda a magia que viesse do lado negro. A dor acalmou um pouco, o suficiente para me erguer e cambalear até às traseiras da loja. Quando abri a porta vi Afonso de joelhos, cercado por um círculo de chamas. Percebi porque é que a dor não desaparecera totalmente. Era a dor que Afonso sentia, e por algum motivo eu sentia-a também.
       -Afonso! – Ele olhou para mim com os olhos cobertos de dor e a cara a escorrer suor.
       Foge!
       Não o ia abandonar, não o podia abandonar! Olhei para o lado contrario ao do circulo e vi a Sr.Miriam. O que é que ela estava a fazer? Era por isso que parte da dor tinha dissipado, a parte da dor causada por Miriam… A parte da dor causada pela magia do lado negro.
       -Pára!! Não lhe faças mal! Ele não te fez nada, é a mim que tu queres!
       -Oh, que momento comovente Afonso, já viste? Veio em teu chamamento! E estás a ver como treme? Está a sentir a mesma dor que tu estás a sentir! Não é romântico? Estarem tão ligados ao ponto de partilhar sentimentos? Bem, infelizmente para ela…
       -Não.te.atrevas.a.tocar-lhe! – Afonso cuspiu as palavras com uma raiva palpável.
       Sentia-me vulnerável mas não ia desistir dele! Tentei-me aproximar e visualizei o fogo a apagar-se, mas enquanto concentrava a minha força nas chamas, o véu que me protegia da magia de Miriam ia ficando cada vez mais fraco. Cai de joelhos e comecei a soar. As palavras saiam-me trémulas devido as contrações do meu corpo. As chamas baixaram ligeiramente, mas quanto mais tentava mais fraca ficava e mais o meu corpo se contraia com a dor.
       -Olha para ela! – Miriam soltou um riso histérico e assustador que gerou um trovão. A cabeça de Afonso virou-se para mim, mesmo quando ele tentava impedi-la. Ele fechou os olhos e começou a pedir desculpa interruptamente.
       -Porque é que estas a fazer isto? Deixa-nos ir!
       -Achas?! Ainda não percebes-te que se o Afonso não for meu não será de mais ninguém? Se ele não pode ficar comigo, também não vai ficar contigo!
       -O que é que estás para ai a dizer?!
       -É isso mesmo! Ainda não percebeste o quanto ele te ama? O quanto se preocupa contigo? Se te matar, ele vai odiar-me, se eu o matar tu vais odiar-me, e com isso eu vivo bem! Ainda não percebes-te o quanto vai ser perfeito? Eu mato o homem que mais te amou, porque é o homem que mais amo!
       -Tu és doida! Ele não me ama! E se o amas tanto como dizes, queres mesmo ficar com o sangue dele nas tuas mãos?! – As dores eram cada vez mais intensas e as palavras custavam a sair. Afonso parecia já ter desistido, e o seu olhar cruzou-se com o meu por segundos. A luz estava a apagar-se dos seus olhos e senti crescer um terror dentro de mim.
       Isso é mentira, eu amo-te!
       As palavras de Afonso fizeram o tempo parar. Com um grito rouco consegui erguer-me, ainda que com dificuldade.
       Agarrei no colar com força, estendi os braços para o céu e uma explosão atingiu Miriam que gemeu enquanto se tentava levantar do chão. Infelizmente o meu momento de adrenalina durou pouco tempo e caí novamente sobre os joelhos.
       -Muito engraçadinha. – Miriam inclinou a cabeça para o lado de forma humanamente impossível e a sua expressão assemelhava-se mais à dum animal.
Avançou na minha direção em paços largos e ergueu um punhal na minha direção. Tentei proteger a cara, mas ao fazê-lo senti o metal frio a rasgar-me o musculo, a cortar cada veia e tendão por onde passava. Podia jurar que senti algo tocar-me no osso.
       A dor era tão intensa que mal consegui respirar e deixei-me cair, já sem esperança. Olhei para o círculo de chamas mas vi que este já estava apagado. Tentei procurar Afonso, mas a minha visão diminuía rapidamente. “Amo-te”, pensei, com a esperança de que ele pudesse ouvir.

*Afonso: on*
       Tinha conseguido sair do círculo de fogo que me sugava todos os poderes. Sem a Carolina nunca teria conseguido. Olhei para ela e vi-a deitada no chão, a esvair-se em sangue. Os seus olhos estavam fechados e o meu coração petrificou. Não, não, não, não! Não podia ser. Corri na sua direção e vi Miriam levantar algo prateado enquanto sussurrava palavras que me eram conhecidas… Palavras da morte!
       As minhas asas abriram-se, dando-me impulso suficiente para chegar perto de Carolina, a tempo do punhal não perfurar o seu corpo outravez. Eram o fim. Olhei uma ultima vez para ela, num instante que me pareceu o mais longo e o mais curto de toda a minha vida. Era linda. Os seus cabelos ruivos misturavam-se agora com o sangue vivo que escorria do seu braço, enquanto os lábios perdiam a cor.
       -Amo-te Carolina.  

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*SH