segunda-feira, 8 de julho de 2013

Capitulo 8 - "podes ficar a noite toda"

       Ao longo dos dias (ou das noites) Afonso foi-me treinando e juntos cada vez conseguíamos fazer mais coisas. Desde trovoadas, até fazer crescer um pequeno arbusto. Sabíamos que ninguém (e com isto digo Gabriel e Inês) podia saber que eu já tinha recuperado a memória, pois iriam tentar apagá-la novamente. A explicação de Afonso é que o colar guardou parte das memórias, ou pelo menos impediu o seu "apagamento" total. E para além disso, eu não sou um humano normal... Agora já consigo fazer uma pequena erva crescer, mesmo que não tenha o colar, mas espero que em breve consiga fazer mais coisas... Nunca mais falamos sobre o beijo, mas não passava um segundo sem pensar nele. Queria que se repetisse, ou pelo menos saber o que ele pensa sobre isso. Às vezes, durante o tempo que passávamos juntos a estudar, ele abraçava-me quando se entusiasmava com algo que tínhamos feito, mas depois largava-me e afastava-se rapidamente. Ele ia-me sempre buscar a casa, duma maneira pouco usual, e íamos até aos penhascos uma ou duas horas por noite, e como resultado não conseguia dormir lá muito tempo, o que me fazia andar tipo zombie o dia todo... Incluindo nas aulas da Sr.Miriam, que já não gostava muito de mim para começar.
       -Menina Carolina, quer-me relembrar do que eu estava a falar?
       -Hum, desculpe, diga?
       -Bem me parecia. Se eu a apanho a dormir na minha aula outra vez, vai para a rua com falta, estamos esclarecidas?
       -Mas eu não...
       -Não me interessam as suas desculpas. Estamos esclarecidas?
       -Sim... - Baixei a cabeça e concentrei-me em ouvir o resto da interessantíssima aula.
       Assim que tocou para a saída a Sr.Miriam pediu-me para ficar para o final, e reparei que Afonso olhou para mim com ar preocupado, assim como Gabriel e Inês. 
       -Não quero ter de te mandar para a rua, és uma boa aluna. Passasse alguma coisa que me querias contar? Sabes que me podes ajudar contar-me tudo o que quiseres.
       -Sim, Stôra, obrigada, mas não se passa nada, obrigada pela preocupação, se eu precisar já sei com quem falar. - Esbocei o meu sorriso mais doce, mas na verdade estava extremamente desconfiada. Porquê tanta simpatia dum momento para o outro?
       -E que lindo colar que ai tens. - A Sr.Miriam tinha um sorriso extremamente falso e um olhar um pouco obcecado. Senti o colar mais quente no peito quando ela se aproximou.
       -Sim, é um colar de família, obrigada. Agora se me desculpa, tenho de ir almoçar. - Esbocei novamente um sorriso doce e saí o mais rápido que pude. 
       Aquilo tudo tinha sido muito estranho, e tinha de contar a Afonso o que tinha acontecido. Senti o bolso a vibrar e tirei o telemóvel. Era uma mensagem de Afonso, parece que se tinha antecipado a mim.
       *O que é que a Sr.Miriam queria?*
       *Perguntou-me o que se passa, se estava tudo bem, e para lhe dizer se precisasse de alguma coisa... Mas isso não foi o mais estranho*
       *Então?*
       *Comentou o colar... E quando se aproximou senti-o mais quente... Achas que aconteceu a ela pelo mesmo motivo que acontece a ti?*
       *Talvez... É muito estranho, acho que vamos ter de falar com o Gabriel e a Inês, mas depois falamos melhor... Hoje à noite vou até tua casa, está bem?*
       *Está*
       Passei o resto das aulas com sono, e a dormitar enquanto a Anita se divertia a fazer desenhos deveras traumatizantes na parte de trás do seu caderno.
       Quando finalmente as aulas da tarde terminaram fui para casa e acabei de fazer todos os trabalhos que se iam acumulando ao longo da semana e finalmente chegou a noite. Depois de jantar a minha mãe saiu, pois esta semana tinha ficado com o turno da noite. Ela não gostava de me deixar sozinha à noite, mas eu não queria que ela gastasse dinheiro em amas, além disso já não tinha 5 anos, e além disso sabia que o Afonso ia estar comigo no inicio da noite. Fui para o quarto, liguei o rádio e deitei-me em cima da cama. Começou a chover torrencialmente e deixei-me envolver pelo barulho da musica misturado com o da chuva, e quando estava mais "para lá do que para cá" ouvi umas batidas fortes na janela. Era Afonso. Completamente encharcado.
       -Estás completamente molhado! Entra...
       -Sim, começou a chover quando vinha para cá... Acho que vamos ter de esquecer a nossa lição de hoje.
       -Pois, imaginei... Tu vieste a...
       -A voar? - Afonso soltou uma pequena gargalhada, e olhou-me de forma doce. - Não tonta, vim de mota.
       -Ah... Então, que achas que se passou?
       -Não faço ideia... Mas lembras do primeiro dia, quando a Inês teve aquela espécie de visão, ou pressentimento... E eu levei-te para longe? Ela sente isso quando alguém que não seja do céu está por perto. Achas que poderá ter alguma coisa a ver com a Sr.Miriam? Mas por outro lado a Inês não se tem sentido assim...
       -Pois, aqui o anjo és tu, não sou eu... Mas achas possível haver algum tipo de camuflagem que faça com que a Inês não sinta que ela não é do céu? E então aparentemente todos os que não são humanos se queimam com o colar, não só os anjos...
       -Sim, pode ser isso, mas não sei se é possível... Podemos tentar pesquisar alguma coisa sobre o assunto. A que distância é que ela estava de ti?
       Posicionei-me de modo a refazer a cena, e o colar começou a aquecer também, como acontecera daquela vez.
       -Sim, foi o que aconteceu à bocado... E agora? Achas que devemos contar ao Gabriel e à Inês?
       -Sim, mas não hoje... Achas melhor contar-mos juntos? Se quiseres eu falo com eles sozinho...
       -Não, vamos os dois. - Falei com mais confiança do que o que sentia na verdade.
       -Está bem. Posso ir ao teu computador? Acho que não vai servir de muito, porque a internet não deve ter muito sobre anjos e demónios, pelo menos não muito verdadeiro...
       -Claro. Sentei-me na cama e pus o portátil ao colo dele, que se sentou ao meu lado. Enquanto ele abria a página da internet deitei-me, com a cabeça apoiada na grande almofada que tinha na cabeceira da cama, e Afonso deitou-se ao meu lado. Ele digitava rápido enquanto eu olhava para toda a informação massuda que aparecia no ecrã do computador. À medida que a noite passava ia-me afogando na almofada e os meus olhos começavam a ficar pesados.
       -Se quiseres eu posso ir embora... Vejo que estás cheia de sono, se calhar todas aquelas sessões de treino não foram assim tão boa ideia...
       -Não, podes ficar. A minha mãe não está cá por isso podes ficar a noite toda. - Arrependi-me logo daquelas palavras. - Ah, não era bem isto que eu queria dizer... - Ele sorriu-me e eu senti-me a corar. Ainda bem que estava escuro. - Mas não te espantes de eu adormecer, estou mesmo com muito sono...
       -Sim, eu vou continuar a pesquisar, e se for embora não te acordo.
       -Está bem. - Voltei a afundar-me na almofada e a minha visão começou a ficar turva.

*Afonso: on*
       Carolina acabou por adormecer depois duma hora a ver a pesquisa. Ela era tão linda! Se eu ao menos pudesse dizer como gostei do beijo, como as minhas asas se abriram e o quanto bom tinha sido a sensação dela quase me tocar. Se lhe pudesse dizer que queria tomar conta dela para sempre, que não queria que nada de mal lhe acontecesse. Que era perfeito tê-la aqui a dormir ao meu lado e ouvir a sua respiração. E era também perfeito saber que nada de mal lhe ia acontecer... Não esta noite.
       Enquanto eu digitava e não descobria nada de interessante Carolina suspirou e encostou-se ao meu braço. Tentei por o braço à volta dos seus ombros, e ela apoiou a cabeça no meu peito. Senti-la junto a mim era das sensações mais reconfortantes do mundo, e eu não queria que acabasse. Desliguei o computador e deitei-me de lado. Carolina, mesmo que inconscientemente aninhou-se no meu braço, e puxei-a para mais junto de mim. Entrelacei os dedos nos dela, e deixei que ela aproximasse ainda mais as suas costas do meu peito. Dei-lhe um beijo no cabelo, e deixe-me adormecer ao som da sua respiração. Quem me dera puder ficar assim todas as noites.
       Se ela ao menos soubesse o quando me despedaçou o coração ver o Gabriel a apagar-lhe a memória, a tocar-lhe, a magoá-la. Se ela soubesse o que eu dava para mudar esse momento. Se ao menos pudesse ficar assim com ela pare sempre. Mas não podia, havia muito em jogo e seria pior para ela. Tinha de ser forte por nós dois, para não magoá-la ainda mais. Nem que para isso tivesse de me magoar o dobro...

3 comentários:

  1. Lindo...
    Adoro a tua história, fico sempre a espera do próximo :-)
    Beijinho

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  2. Não sou mãe dele, apenas namorada, e isso não quer dizer que ele tenha que deixar de fazer as coisas dele..
    Eu confio nele tal como ele confia em mim :-)
    As vezes sinto.me culpada por ele não sair :(
    Ele deixou de sair por minha culpa, quer dizer desde que nos começamos a falar, eu não lhe pedi isso, nem queria que ele deixasse de fazer as coisas dele por minha causa...
    Eu não posso deixar de fazer as minhas coisas, já nao faço muitas mas prontos... as únicas vezes que saio e para ir dançar ou ir ao café onde ele trabalha... por isso se eu não deixo de fazer as minhas ele não pode deixar de fazer as dele..
    Beijinho

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  3. Sim eu nao o quero prender, cada um merece a sua liberdade...
    Nao percebo pk eles deixam de fazer tudo que faziam, tipo deixar de fazer certas coisas compreendo mas tudo nao...
    Desde que confiemos neles podem fazer de tudo, mas se eles nao querem nao podemos fazer nada :)
    Beijinho

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*SH