segunda-feira, 22 de julho de 2013

Capitulo 9 - "Amo-te Carolina"

       
       Quando acordei Afonso já se tinha ido embora. Levantei-me e fui dar um beijinho à minha mãe que ainda estava a dormir. Desci as escadas, comi uma taça de cereais, vesti o casaco e sai porta fora... E esbarrei-me contra Afonso.
       -Que susto! O que é que estás aqui a fazer?
       -Desculpa, ia tocar à campainha para ver se estavas em casa...
       -Hum, pois, aparentemente estou... - Afonso estava com um ar envergonhado e a passar a mão pela nuca... Tinha bastantes certezas de que era uma espécie de sinal de nervosismo.
       -Queres.. Hum... Queres que te dê boleia para a escola?
       -Na mota?
       -A não ser que queiras ir a voar! - O nervosismo desapareceu e Afonso lançou-me um grande e rasgado sorriso com direito a uma gargalhada.
       -Ah.ah.ah, esse humor angelical logo pela manhã mata-me! - Dei-lhe um soco no braço e pus o capacete que ele me estendia.
       Estávamos na segunda aula da manhã e assim que tocou saíram todos disparados para ir almoçar.
       -Carolina, preciso de falar contigo…
       -Sim?
       -Anda, aqui não. – Afonso puxou-me por um braço para trás da escola, onde dois jovens estavam a almoçar-se um ao outro… Afonso tossiu sonoramente. – Importam-se? – Eles levantaram-se com cara de poucos amigos.
       -Então, que me querias dizer?
       -Tenho uma pista sobre o colar...
       -A sério? Como?
      -Pesquisei num livro antigo e descobri que uma senhora que por sorte mora apenas a uns kilometros daqui tem informação que pode ser bastante útil. Consegui um numero e a senhora diz que nos pode atender hoje às 23h… E sim, fiz isso tudo na minha "ida à casa de banho na primeira aula"
       -Wow, génio, mas “nos”?
       -Sim, precisamos de ti…
       -Mas ela sabe que…
      -Não! Não lhe disse nada sobre ti, ou sobre mim, ou sobre o colar, ela provavelmente pensa que somos mais um casal à procura de respostas sobre o mau funcionamento da sua vida sexual. – Afonso arrependeu-se da ultima parte, e começou a corar. – Ah, isso soava melhor na minha cabeça…
       -Chega de pormenores por hoje… - Fiz um esforço desumano para conter o riso. – Mas então vamos lá e qual é o plano?
       -Vimos se a mulher é um farsa, se não for tentamos obter informações…
       -E como pretendes descobrir se ela é uma farsa?
       -Sei lá… Temos de inventar uma história… E que tal se…
       -Disséssemos que somos um casal a procura de respostas sobre o mau funcionamento da sua vida sexual?
       -Só boas ideias, e como fazemos isso soar credível?
       -Nós descobrimos uma maneira… Mas não te aproveites…
       -Não é a minha intenção!
       Lancei-lhe um sorriso, ele piscou-me o olho e sem mais palavras cada um seguiu a sua direção. Senti o telemóvel vibrar e levei a mão ao bolso.
       *vou-te buscar às 22h*
       *a minha mãe sai a essa hora, cuidado para não seres apanhado se não tenho problemas*
       *a tua mãe não se chateava, eu sou um anjo*
       Um sorriso escapou-se por entre os meus lábios e fiz um enorme esforço para o mandar embora.
       O resto do dia passou-se com normalidade e quando dei por mim já era um quarto para as dez. Sequei o cabelo, dei um beijo à minha mãe e vesti-me assim que ela saiu. Deitei-me em cima da cama a ouvir musica, ia ser uma longa noite.
       Ouvi baterem na janela e vi que era Afonso.
       -Entra.
       -A sério que estás toda vestida de preto? Sabes que não vamos fazer um assalto, e a história do sexo não resultar não precisa de parecer tão deprimente! – Estavamos sozinhos no meu quarto e Afonso tinha acabado de mencionar “sexo” na sua primeira frase. Tinhamos ultrapassado uma barreira na nossa amizade.
       -Foi instintivo, nem tinha dado conta… Se calhar o meu subconsciente está-se a preparar parar ter de fugir da velha, e assim confundo-me melhor com a noite, e já que tu estás de branco podes sacrificar-te pela equipa!
       -Então somos uma equipa? Agrada-me…
       -Foi só isso que ouviste? – Revirei-lhe os olhos e fiz-lhe sinal para ele ir à frente. – Senhoras primeiro. – Com um sorriso irónico Afonso passou à minha frente e saiu do quarto.
       Liguei o alarme e tranquei a porta com duas voltas. Não me agradava sair de casa aquelas horas.
       -Wow! Tu tens um carro? – estava estupefacta, nunca o tinha visto a conduzir um carro.
       -Estás assim tão surpreendida? – Ele abriu-me a porta do passageiro e estendeu a mão para eu entrar. – Senhoras primeiro. – Com um sorriso irónico entrei dentro do carro.
       Não se via ninguém na rua aquelas horas, nem sequer carros. Era uma estrada pouco iluminada e Afonso fez questão de passar o limite de velocidade. Quase para o dobro!

*Afonso: on*
       O aspécto da loja não me inspirava confiança. Não queria que Carolina andasse por ali aquelas horas. Talvez fosse mais seguro para ela ficar no carro. Ela olhou para mim com os olhos brilhantes e uma expressão reticente.
       -Bem, chegamos…
       -Sim, mas está tudo escuro… Vou só ver se está mesmo lá alguém.
       -E vais deixar-me aqui sozinha?!
       -Calma, eu entro e venho logo buscar-te! Trancas a porta.
       -Hum, está bem, volta rápido…
       Custou-me deixá-la com aquela expressão de terror nos olhos, enquanto se abraçava a ela própria.
       -Estás com frio?
       -Não…
       -Estás sim… Toma o meu casaco.
       -Está, obrigada.
       Vi-a embrulhar-se no meu casaco e só o pequeno gesto deu-me uma sensação de confiança. Entrei na loja e não vi ninguém. Virei-me para trás e vi alguém demasiado belo para ser a velha de que falava o livro…
       -Olá lindo! – Vi algo metálico levantar-se na minha direção, mas antes de conseguir reagir ouvi uma pancada seca.

*Carolina: on*
       Afonso estava a demorar mais do que devia. Já se tinham passado quase vinte minutos e nem sinais dele. Agarrei-me ao seu casaco, que de certa maneira me deu força para continuar e sai do carro.        A porta rangeu e o som causou-me um arrepio na espinha.
       -Afonso? – Silêncio.
       De repende senti uma picada no coração. O colar saltitou no meu peito, e cai de joelhos no chão. A dor incendiava o meu corpo apartir de dentro e controci-me no chão. Afonso. Sabia que algo lhe tinha acontecido. Tentei erguer-me mas a dor era insuportável. Com a mão trémula e o maxilar cerrado aproximei o colar à minha boca e sussurrei as palavras que  Afonso me tinha ensinado numa das noites que passamos juntos. Segundo ele essas palavras iam erguer uma espécie de manto contra toda a magia que viesse do lado negro. A dor acalmou um pouco, o suficiente para me erguer e cambalear até às traseiras da loja. Quando abri a porta vi Afonso de joelhos, cercado por um círculo de chamas. Percebi porque é que a dor não desaparecera totalmente. Era a dor que Afonso sentia, e por algum motivo eu sentia-a também.
       -Afonso! – Ele olhou para mim com os olhos cobertos de dor e a cara a escorrer suor.
       Foge!
       Não o ia abandonar, não o podia abandonar! Olhei para o lado contrario ao do circulo e vi a Sr.Miriam. O que é que ela estava a fazer? Era por isso que parte da dor tinha dissipado, a parte da dor causada por Miriam… A parte da dor causada pela magia do lado negro.
       -Pára!! Não lhe faças mal! Ele não te fez nada, é a mim que tu queres!
       -Oh, que momento comovente Afonso, já viste? Veio em teu chamamento! E estás a ver como treme? Está a sentir a mesma dor que tu estás a sentir! Não é romântico? Estarem tão ligados ao ponto de partilhar sentimentos? Bem, infelizmente para ela…
       -Não.te.atrevas.a.tocar-lhe! – Afonso cuspiu as palavras com uma raiva palpável.
       Sentia-me vulnerável mas não ia desistir dele! Tentei-me aproximar e visualizei o fogo a apagar-se, mas enquanto concentrava a minha força nas chamas, o véu que me protegia da magia de Miriam ia ficando cada vez mais fraco. Cai de joelhos e comecei a soar. As palavras saiam-me trémulas devido as contrações do meu corpo. As chamas baixaram ligeiramente, mas quanto mais tentava mais fraca ficava e mais o meu corpo se contraia com a dor.
       -Olha para ela! – Miriam soltou um riso histérico e assustador que gerou um trovão. A cabeça de Afonso virou-se para mim, mesmo quando ele tentava impedi-la. Ele fechou os olhos e começou a pedir desculpa interruptamente.
       -Porque é que estas a fazer isto? Deixa-nos ir!
       -Achas?! Ainda não percebes-te que se o Afonso não for meu não será de mais ninguém? Se ele não pode ficar comigo, também não vai ficar contigo!
       -O que é que estás para ai a dizer?!
       -É isso mesmo! Ainda não percebeste o quanto ele te ama? O quanto se preocupa contigo? Se te matar, ele vai odiar-me, se eu o matar tu vais odiar-me, e com isso eu vivo bem! Ainda não percebes-te o quanto vai ser perfeito? Eu mato o homem que mais te amou, porque é o homem que mais amo!
       -Tu és doida! Ele não me ama! E se o amas tanto como dizes, queres mesmo ficar com o sangue dele nas tuas mãos?! – As dores eram cada vez mais intensas e as palavras custavam a sair. Afonso parecia já ter desistido, e o seu olhar cruzou-se com o meu por segundos. A luz estava a apagar-se dos seus olhos e senti crescer um terror dentro de mim.
       Isso é mentira, eu amo-te!
       As palavras de Afonso fizeram o tempo parar. Com um grito rouco consegui erguer-me, ainda que com dificuldade.
       Agarrei no colar com força, estendi os braços para o céu e uma explosão atingiu Miriam que gemeu enquanto se tentava levantar do chão. Infelizmente o meu momento de adrenalina durou pouco tempo e caí novamente sobre os joelhos.
       -Muito engraçadinha. – Miriam inclinou a cabeça para o lado de forma humanamente impossível e a sua expressão assemelhava-se mais à dum animal.
Avançou na minha direção em paços largos e ergueu um punhal na minha direção. Tentei proteger a cara, mas ao fazê-lo senti o metal frio a rasgar-me o musculo, a cortar cada veia e tendão por onde passava. Podia jurar que senti algo tocar-me no osso.
       A dor era tão intensa que mal consegui respirar e deixei-me cair, já sem esperança. Olhei para o círculo de chamas mas vi que este já estava apagado. Tentei procurar Afonso, mas a minha visão diminuía rapidamente. “Amo-te”, pensei, com a esperança de que ele pudesse ouvir.

*Afonso: on*
       Tinha conseguido sair do círculo de fogo que me sugava todos os poderes. Sem a Carolina nunca teria conseguido. Olhei para ela e vi-a deitada no chão, a esvair-se em sangue. Os seus olhos estavam fechados e o meu coração petrificou. Não, não, não, não! Não podia ser. Corri na sua direção e vi Miriam levantar algo prateado enquanto sussurrava palavras que me eram conhecidas… Palavras da morte!
       As minhas asas abriram-se, dando-me impulso suficiente para chegar perto de Carolina, a tempo do punhal não perfurar o seu corpo outravez. Eram o fim. Olhei uma ultima vez para ela, num instante que me pareceu o mais longo e o mais curto de toda a minha vida. Era linda. Os seus cabelos ruivos misturavam-se agora com o sangue vivo que escorria do seu braço, enquanto os lábios perdiam a cor.
       -Amo-te Carolina.  

domingo, 14 de julho de 2013

Alterações

Bem, como já devem ter dado conta fiz algumas alterações no visual do blog :) espero que gostem, dêm-me a vossa opinião!
E no último capitulo também há uma novidade: A história é contada do ponto de vista de Afonso! Que acham a ideia? Continuo a escrever a história do ponto de vista de ambas as personagens ou só de Afonso?

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Capitulo 8 - "podes ficar a noite toda"

       Ao longo dos dias (ou das noites) Afonso foi-me treinando e juntos cada vez conseguíamos fazer mais coisas. Desde trovoadas, até fazer crescer um pequeno arbusto. Sabíamos que ninguém (e com isto digo Gabriel e Inês) podia saber que eu já tinha recuperado a memória, pois iriam tentar apagá-la novamente. A explicação de Afonso é que o colar guardou parte das memórias, ou pelo menos impediu o seu "apagamento" total. E para além disso, eu não sou um humano normal... Agora já consigo fazer uma pequena erva crescer, mesmo que não tenha o colar, mas espero que em breve consiga fazer mais coisas... Nunca mais falamos sobre o beijo, mas não passava um segundo sem pensar nele. Queria que se repetisse, ou pelo menos saber o que ele pensa sobre isso. Às vezes, durante o tempo que passávamos juntos a estudar, ele abraçava-me quando se entusiasmava com algo que tínhamos feito, mas depois largava-me e afastava-se rapidamente. Ele ia-me sempre buscar a casa, duma maneira pouco usual, e íamos até aos penhascos uma ou duas horas por noite, e como resultado não conseguia dormir lá muito tempo, o que me fazia andar tipo zombie o dia todo... Incluindo nas aulas da Sr.Miriam, que já não gostava muito de mim para começar.
       -Menina Carolina, quer-me relembrar do que eu estava a falar?
       -Hum, desculpe, diga?
       -Bem me parecia. Se eu a apanho a dormir na minha aula outra vez, vai para a rua com falta, estamos esclarecidas?
       -Mas eu não...
       -Não me interessam as suas desculpas. Estamos esclarecidas?
       -Sim... - Baixei a cabeça e concentrei-me em ouvir o resto da interessantíssima aula.
       Assim que tocou para a saída a Sr.Miriam pediu-me para ficar para o final, e reparei que Afonso olhou para mim com ar preocupado, assim como Gabriel e Inês. 
       -Não quero ter de te mandar para a rua, és uma boa aluna. Passasse alguma coisa que me querias contar? Sabes que me podes ajudar contar-me tudo o que quiseres.
       -Sim, Stôra, obrigada, mas não se passa nada, obrigada pela preocupação, se eu precisar já sei com quem falar. - Esbocei o meu sorriso mais doce, mas na verdade estava extremamente desconfiada. Porquê tanta simpatia dum momento para o outro?
       -E que lindo colar que ai tens. - A Sr.Miriam tinha um sorriso extremamente falso e um olhar um pouco obcecado. Senti o colar mais quente no peito quando ela se aproximou.
       -Sim, é um colar de família, obrigada. Agora se me desculpa, tenho de ir almoçar. - Esbocei novamente um sorriso doce e saí o mais rápido que pude. 
       Aquilo tudo tinha sido muito estranho, e tinha de contar a Afonso o que tinha acontecido. Senti o bolso a vibrar e tirei o telemóvel. Era uma mensagem de Afonso, parece que se tinha antecipado a mim.
       *O que é que a Sr.Miriam queria?*
       *Perguntou-me o que se passa, se estava tudo bem, e para lhe dizer se precisasse de alguma coisa... Mas isso não foi o mais estranho*
       *Então?*
       *Comentou o colar... E quando se aproximou senti-o mais quente... Achas que aconteceu a ela pelo mesmo motivo que acontece a ti?*
       *Talvez... É muito estranho, acho que vamos ter de falar com o Gabriel e a Inês, mas depois falamos melhor... Hoje à noite vou até tua casa, está bem?*
       *Está*
       Passei o resto das aulas com sono, e a dormitar enquanto a Anita se divertia a fazer desenhos deveras traumatizantes na parte de trás do seu caderno.
       Quando finalmente as aulas da tarde terminaram fui para casa e acabei de fazer todos os trabalhos que se iam acumulando ao longo da semana e finalmente chegou a noite. Depois de jantar a minha mãe saiu, pois esta semana tinha ficado com o turno da noite. Ela não gostava de me deixar sozinha à noite, mas eu não queria que ela gastasse dinheiro em amas, além disso já não tinha 5 anos, e além disso sabia que o Afonso ia estar comigo no inicio da noite. Fui para o quarto, liguei o rádio e deitei-me em cima da cama. Começou a chover torrencialmente e deixei-me envolver pelo barulho da musica misturado com o da chuva, e quando estava mais "para lá do que para cá" ouvi umas batidas fortes na janela. Era Afonso. Completamente encharcado.
       -Estás completamente molhado! Entra...
       -Sim, começou a chover quando vinha para cá... Acho que vamos ter de esquecer a nossa lição de hoje.
       -Pois, imaginei... Tu vieste a...
       -A voar? - Afonso soltou uma pequena gargalhada, e olhou-me de forma doce. - Não tonta, vim de mota.
       -Ah... Então, que achas que se passou?
       -Não faço ideia... Mas lembras do primeiro dia, quando a Inês teve aquela espécie de visão, ou pressentimento... E eu levei-te para longe? Ela sente isso quando alguém que não seja do céu está por perto. Achas que poderá ter alguma coisa a ver com a Sr.Miriam? Mas por outro lado a Inês não se tem sentido assim...
       -Pois, aqui o anjo és tu, não sou eu... Mas achas possível haver algum tipo de camuflagem que faça com que a Inês não sinta que ela não é do céu? E então aparentemente todos os que não são humanos se queimam com o colar, não só os anjos...
       -Sim, pode ser isso, mas não sei se é possível... Podemos tentar pesquisar alguma coisa sobre o assunto. A que distância é que ela estava de ti?
       Posicionei-me de modo a refazer a cena, e o colar começou a aquecer também, como acontecera daquela vez.
       -Sim, foi o que aconteceu à bocado... E agora? Achas que devemos contar ao Gabriel e à Inês?
       -Sim, mas não hoje... Achas melhor contar-mos juntos? Se quiseres eu falo com eles sozinho...
       -Não, vamos os dois. - Falei com mais confiança do que o que sentia na verdade.
       -Está bem. Posso ir ao teu computador? Acho que não vai servir de muito, porque a internet não deve ter muito sobre anjos e demónios, pelo menos não muito verdadeiro...
       -Claro. Sentei-me na cama e pus o portátil ao colo dele, que se sentou ao meu lado. Enquanto ele abria a página da internet deitei-me, com a cabeça apoiada na grande almofada que tinha na cabeceira da cama, e Afonso deitou-se ao meu lado. Ele digitava rápido enquanto eu olhava para toda a informação massuda que aparecia no ecrã do computador. À medida que a noite passava ia-me afogando na almofada e os meus olhos começavam a ficar pesados.
       -Se quiseres eu posso ir embora... Vejo que estás cheia de sono, se calhar todas aquelas sessões de treino não foram assim tão boa ideia...
       -Não, podes ficar. A minha mãe não está cá por isso podes ficar a noite toda. - Arrependi-me logo daquelas palavras. - Ah, não era bem isto que eu queria dizer... - Ele sorriu-me e eu senti-me a corar. Ainda bem que estava escuro. - Mas não te espantes de eu adormecer, estou mesmo com muito sono...
       -Sim, eu vou continuar a pesquisar, e se for embora não te acordo.
       -Está bem. - Voltei a afundar-me na almofada e a minha visão começou a ficar turva.

*Afonso: on*
       Carolina acabou por adormecer depois duma hora a ver a pesquisa. Ela era tão linda! Se eu ao menos pudesse dizer como gostei do beijo, como as minhas asas se abriram e o quanto bom tinha sido a sensação dela quase me tocar. Se lhe pudesse dizer que queria tomar conta dela para sempre, que não queria que nada de mal lhe acontecesse. Que era perfeito tê-la aqui a dormir ao meu lado e ouvir a sua respiração. E era também perfeito saber que nada de mal lhe ia acontecer... Não esta noite.
       Enquanto eu digitava e não descobria nada de interessante Carolina suspirou e encostou-se ao meu braço. Tentei por o braço à volta dos seus ombros, e ela apoiou a cabeça no meu peito. Senti-la junto a mim era das sensações mais reconfortantes do mundo, e eu não queria que acabasse. Desliguei o computador e deitei-me de lado. Carolina, mesmo que inconscientemente aninhou-se no meu braço, e puxei-a para mais junto de mim. Entrelacei os dedos nos dela, e deixei que ela aproximasse ainda mais as suas costas do meu peito. Dei-lhe um beijo no cabelo, e deixe-me adormecer ao som da sua respiração. Quem me dera puder ficar assim todas as noites.
       Se ela ao menos soubesse o quando me despedaçou o coração ver o Gabriel a apagar-lhe a memória, a tocar-lhe, a magoá-la. Se ela soubesse o que eu dava para mudar esse momento. Se ao menos pudesse ficar assim com ela pare sempre. Mas não podia, havia muito em jogo e seria pior para ela. Tinha de ser forte por nós dois, para não magoá-la ainda mais. Nem que para isso tivesse de me magoar o dobro...

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Capitulo 7 (parte 2) - "o mundo calou-se"

      Afonso saltou do parapeito da janela, e tive de morder o lábio inferior para não soltar um grito.  Senti as minhas mãos a escorregar dos ombros de Afonso, e por mais que me tentasse agarrar, era escusado, já estava a cair. Não podia. Era um sonho certo? Será que se podia morrer depois de tudo o que descobri? Não deveria haver uma força sobrenatural a proteger-me, já que eu era assim tão importante?
       Morte, nunca tinha realmente pensado sobre isso. Seria doloroso? Provavelmente ia ser uma morte rápida, visto que ia ficar esborrachada no alcatrão, à porta de minha casa. O que é que a minha mãe pensaria quando percebesse que a sua filha tinha caído da janela do quarto? Certamente pensaria que foi suicídio. Ia ficar com o coração despedaçado. Será que ela ia saber o quando eu a amo? Será que alguém ia descobrir o meu diário de quando era pequena, que está tão religiosamente escondido debaixo duma tábua solta? Nunca iria acabar o secundário, nem tirar um curso… Se aquilo não fosse um sonho, se eu fosse realmente morrer por causa duma decisão estúpida, como é que ficaria a vida que devia ser minha? Como ficaria o homem que deveria ser o meu marido? Quem seriam os meus filhos? Será que as suas almas iriam para outras crianças? Para filhos de outras mulheres? E como ficaria o apartamento que estava destinado a ser meu? O que aconteceria à minha maneira de ver o mundo?
       Uns braços fortes agarraram-me a meros centímetros do chão. Agarrei-me com todas as minhas forças ao corpo que me tinha agarrado, e enquanto as lágrimas me desfocavam a visão, consegui perceber que era Afonso quem me agarrava. Estava de costas para o chão, e voltada para o céu. Em cima dele algo branco e grande movia-se como asas de um pássaro…  Asas… Eram mesmo asas! O susto fez-me agarrar ainda com mais força Afonso, que se ria como uma criança que tinha acabado de desembrulhar um brinquedo que realmente queria, na noite de Natal. Eu, por outro lado, estava em pânico e aposto que ele conseguia ouvir o meu coração a bater.
       -Tem calma, não te deixo cair!
       Assenti e enterrei a cabeça mais no seu ombro.
       Quando finalmente pisei terra firme deixei-me cair no chão e comecei a soluçar descontroladamente. Senti Afonso aproximar-se de mim e quando dei conta ele estava de joelhos à minha frente.
       -Ei, que se passa? – Afonso desviou-me uma madeixa da cara e consegui perceber que ele estava mesmo preocupado.
       -É que tive tanto medo…
       -Podes confiar em mim, nunca te vou deixar cair.
       Abracei-me a ele e deixei-me ficar assim por momentos. Não me apeteceu pensar em mais nada, tinha demasiadas coisas para assimilar, mas nenhuma delas parecia fazer sentido, então decidi simplesmente ignorá-las.
       Afonso agarrou-me pelos ombros e olhou, realmente olhou para mim.
       -Estás melhor?
       -Sim… Nós estávamos a…
       -Sim, voar. Desculpa não te ter avisado, esqueci-me que nem sabias que era possível, esqueci-me que poderias ter medo, terror até… Enfim, desculpa!
       -Não faz mal, a culpa não é tua… Mas… Como? Como é possível?
       -Queres que te mostre ou já chega por hoje?
       -Não, mostra-me!
       Afonso despiu novamente a camisola e fechou os olhos. Em milésimas de segundo umas asas romperam das suas costas, deixando uma dúzia de folhas a pairar no ar.
       Fiquei estupefacta a olhar para ele. Ok, ele era um anjo, já tinha interiorizado isso, mas como era possível? Era tão lindo, tão maravilhoso, tão brilhante, tão grande, tão suave. tão calmante... Tão perfeito para ser verdade. Dei um passo hesitante na sua direção e ele engoliu em seco. Não sabia se me devia aproximar, mas o desejo fazia com que com um passo a seguir a outro eu ficasse cada vez mais perto de Afonso. Tão perto que conseguia sentir o seu calor, a sua respiração profunda mais cautelosa. Estendi a minha mão para ele, e vi que termia. Quando estava a meros centímetros das suas asas um trovão explodiu sobre o mar e essas retraíram-se, desaparecendo tão rápido como tinham aparecido, e fazendo com que o meu cabelo me voasse para a cara.
        Afonso desviou-me a madeixa ruiva que tinha sobre a cara, agarrando-me no queixo para que olhasse para ele.
       -Não sou eu que as comando... Respondem-me, mas têm um comportamento próprio... É por isso que é raro as asas de um anjo deixarem que lhes toquem... Nunca ninguém lhes tocou, nem sequer chegou tão perto. - Não conseguia perceber a expressão nos seus olhos, tanto eram de felicidade como de terror.
        Estava demasiado petrificada para conseguir falar e apenas assenti com a cabeça. Por um lado estava ofendida por não ter conseguido tocar-lhe nas asas, mas pelo que ele disse, nunca ninguém tinha chegado tão perto... Será que isso era um sinal? Certamente... Mas seria um bom sinal?
       O silêncio estava a começar a tornar-se estranho e rígido, e sentia-me pequena e frágil enquanto Afonso me observava. E a verdade é que apesar do medo que me consumia, eu queria saber mais, queria conseguir dominar o que ele sabia dominar, queria deixar de ser a presa. Uma chama viva apoderou-se de mim e fez derreter o terror que me mantinha imóvel até ali.
       -Ensina-me! - Senti os olhos a brilharem de paixão.
       -Desculpa? - Afonso semicerrou os olhos, a tentar ler-me a mente.
       -Ensina-me a fazer o que fizes-te! Que consegues fazer mais? Para além de fazer crescer flores... E voar...
       -Ouve, não quero que te desiludas, mas não sei se tu também tens essa capacidade...
       -Por favor tenta ensinar-me!
       -Não sei se é boa ideia, Carolina...
       -Eu consigo, eu sei e sinto que consigo!
       -Sabes que ninguém pode saber disto não sabes? Era suposto estar a perceber o que é que esse maldito colar faz, não ensinar-te a mexer com a natureza!
       -É isso! Talvez eu não consiga fazer nada crescer... - Tirei o colar e deixei-o aos meus pés. Quando me aproximei do chão concentrei toda a minha força, e acreditei com todo o meu ser que algo ia acontecer. Fiz os mesmos movimentos que Afonso tinha feito anteriormente, e quando abri os olhos, apenas havia terra. Em cheio! - Mas o colar... O colar tem outro poder, tal como tu disses-te, certo? E temos de descobrir qual é! - Voltei a por o colar ao pescoço e fechei os olhos. Concentrei-me novamente na minha mão e senti um calor a sair dela, um formigueiro na ponta dos dedos. Era viciante, quente, mas ao mesmo tempo intimidador no seu esplendor. Quando abri os olhos vi uma pequena flor. Era frágil e não tinha a beleza da flor de Afonso, mas era inquestionavelmente uma flor. Um sorriso rasgou os meus lábios. - Vês? Eu disse que conseguia! Por favor ensina-me mais!
        Afonso ficou de olhos arregalados por momentos. Quando finalmente passou o choque inicial ajoelhou-se ao meu lado. 
       -Como é possível?
       -Eu sei que não está perfeita, mas é...
       -É uma flor! - Afonso soltou uma gargalhada e deu uma volta comigo no ar. - Ham, desculpa, entusiasmei-me...
       Sorri-lhe. Gostava de quando ele se entusiasmava...
       -E se usasses o colar? Já deu para perceber que ele dá bastante poder...
       -Queimo-me quando lhe toco, lembras-te?
       -Oh, pois... - Ficamos ambos em silêncio a pensar numa solução. - Já sei! Pode não resultar, mas dá-me a tua mão.
        Ele levantou uma sobrancelha, mas ao fim de hesitar por momentos entrelaçou os dedos nos meus.
       -Agora eu concentro-me em passar o que quer que chames a isto para ti, e tu concentras-te em fazer crescer a flor, está bem?
        Ele assentiu com a cabeça com segurança que nem eu sentia. Concentrei-me novamente no formigueiro que saia da minha mão para a dele, e senti-o a aquecer. A minha mão parecia fundir-se com a dele, duma maneira tão intensa que chegava quase a ser dolorosa, mas eu não queria que aquilo acabasse. Afonso largou-me a mão e abri os olhos. A flor era lindíssima e robusta, e apesar de ser a mais bela flor que alguma vez vira, era também a mais perigosa. Como poderíamos ter criado algo tão pelo e poderoso ao mesmo tempo?
        Olhei para o Afonso que estava tão estupefacto como eu. Os seus olhos brilhavam, e os lábios não conseguiam parar de sorrir... Os lábios.
        -Funcionou! - Afonso abraçou-me com tanta força que caímos os dois na relva. E com o seu olhar a cruzar-se com o meu, o mundo calou-se. As ondas que batiam nas rochas pararam de rebentar. O vento parou de soprar. Os animais adormeceram. Poderia jurar que até a Terra tinha parado de girar. E, sem aviso, Afonso beijou-me. Eu beijei-o. Beijamo-nos. Queria sentir cada pedacinho dele. Agarrei-lhe a cara e puxei-a mais para mim, enquanto entrelaçava os meus dedos no seu cabelo. e ele puxava a minha cintura mais contra o seu corpo. Num segundo o mundo gritou. As ondas rebentaram furiosas contra as rochas, o vento abanou as copas das mais fortes árvores, os lobos uivaram e a Lua brilhou mais intensamente que nunca. Com o barulho dum trovão as asas de Afonso romperam-lhe pelas costas. Afastamo-nos com o susto e olhámos um para o outro em choque. Não sabia o que tinha acontecido, mas uma coisas era certa, estávamos juntos nisto, e nada nem ninguém nos podia separar.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Capitulo 7 (parte 1) - " -Confias em mim?"

      Ainda estava meio tonta com tudo o que estava a acontecer, e pelo facto do Afonso estar na janela do meu quarto… A pedir para entrar… A meio da noite… Quando eu estava lavada em lágrimas…
       Abri-lhe a janela e desviei-me para o deixar entrar. Ele sentou-se na cama sem dizer uma palavra, mas voltou a levantar-se quando viu que eu estava a chorar.
       -Que se passa?
       -Que se passa?! A sério que me estás a perguntar isso? A sério que não consegues perceber o que está errado na minha vida?
       -Bem, não se pode dizer que seja “errado”…
       -Talvez não, mas até agora é tudo muito confuso!
       -Desculpa por te ter contado tudo, e por depois ter deixado fazerem-te o que fizeram… - Afonso chegou ao pé de mim e deu-me um abraço e quando viu que eu tinha ficado sem reação afastou-se, mas o simples facto de perceber que ele se preocupava comigo fez-me sentir um pouco melhor.
       -Não tiveste culpa, e mais tarde ou mais cedo eu ia ter de saber… O que é que faço agora?
       -O que é que nós fazemos! – O facto dele realçar a palavra “nós” fez-me sentir acompanhada. –Para começar acho melhor não dizer-mos nada ao Gabriel ou à Inês… E temos de perceber o que consegues fazer com esse colar…
       -Como assim fazer com esse colar?
       -Vê…
       Afonso aproximou-se lentamente dum dos muitos vasos de plantas que tinha no parapeito da janela. Depois de ficar a fixar a planta pelo que me pareceu ser uma eternidade, Afonso abriu a mão lentamente sobre ela, e levantou a mão ao mesmo tempo que a fechava, e uma bonita flor rebentou por entre a terra e as folhas verdes que já se encontravam no vaso. Fiquei boquiaberta, depois do que tudo aconteceu não sabia o que esperar mais, e apesar de me terem passado muitas coisas da cabeça, nunca tinha imaginado aquilo.
       -Oh meu deus!
       -Sim, é só umas das muitas coisas que conseguimos fazer… Quer dizer, não conseguimos fazer assim tantas coisas, ou coisas tão surpreendentes, mas pela tua cara, deves achar isto bastante surpreendente.
      -Desculpa, é só que… Como é que? Mas… Porque é que… ? – Tinha demasiadas perguntas a atropelarem-se na minha mente, então levantei-me e fui buscar uma vela.
       Entendi-lhe a vela com os olhos muito espantados, e não precisei de abrir a boca para que ele percebesse o que eu estava a dizer.
       -Se consigo fazer fogo? – Passou a mão por cima do pavio, fazendo com que com um estalido uma pequena chama fosse surgindo.
       Deixei cair a vela, que se apagou mesmo antes de chegar ao chão. Ele aproximou-se de mim com um olhar regila, como o de uma criança de 4 anos que está prestes a experimentar um gelado novo.
       -Anda comigo!
       -O que? Nem penses, não vou contigo a lado nenhum!
       -De certeza? Acho que não é seguro fazer vento dentro do teu quarto, mas…
       Olhei para ele incrédula, mas sem pensar duas vezes, ou melhor, sem pensar sequer uma vez, agarrei na sua mão estendida para mim e seguiu-o até à janela.
       -Afonso, porque é que estas com essa cara? Onde é que vamos? Ou melhor, como é que vamos?
       -Confias em mim?
       -Bem, consegues fazer crescer flores, e criar fogo, terei algum motivo para ter medo? – Estava novamente a falar mais para mim do que para ele, e, sem qualquer hesitação, pus-me às suas cavalitas e fechei os olhos com força. Se isto era um sonho, acho que não queria acordar. 

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Desaparecida

Bem, esta semana vou para o algarve, e para a semana acho que vou para casa da minha tia, então não vou ter muito tempo para publicar o próximo capitulo :( mas daqui a umas três semanas tenho todo o tempo do mundo e prometo que ponho mais que um :D obrigada pela paciência!! Beijinhos

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Capitulo 6 - "Sei tudo."

       O mesmo sonho, noite após noite, sempre as mesmas caras desfocadas, sempre os mesmos olhares desesperantes, sempre a mesma sensação de vazio... Sempre tudo mais intenso.
       Já há uma semana que não dormia como deve de ser. Acordava de madrugada e era uma luta com os lençóis de tantas voltas que dava para (tentar) voltar a adormecer. A minha mãe já tinha dado conta das minhas olheiras, e às vezes dizia que me tinha ouvido gritar, mas disse-lhe que era apenas cansaço, por causa dos testes, e isso se estava a apoderar dos meus sonhos... O que não era totalmente mentira... Só que os "sonhos" não eram sobre a escola propriamente dita. Para agravar a minha situação, tinham descoberto uma praga no refugio. Ratazanas. Até parece que nunca tinham visto uma ratazana! Só que como foi um menino da equipa de futebol que descobriu, aqueles cujos pais são ricos, então tiveram logo de fazer uma limpeza total ao local.... Vá-se lá saber para que é que o rapaz queria aquilo mas pronto... E como resultado tivemos (nós, os refugiados) de almoçar no refeitório durante uma semana.
       Afonso, um rapaz e mais uma rapariga sentavam-se sempre juntos. O rapaz (que pelo que Anita me diz, chama-se Gabriel) e a rapariga (Inês) são bastante chegados. Estão sempre a rir e aos beijinhos, e com atitudes cúmplices de namorados, já Afonso está sempre mais calado, apesar de estar sempre com um sorriso (lindo de morrer, devo dizer) nos lábios.
       Sabem aquela coisa nada engraçada que os seres humanos têm de quando uma pessoa sorri a outra sorri também? Ou neste caso, quando olhamos para alguém.... Esse alguém olha de volta!
       Afonso esboçou-me um leve sorriso como quem dizia "apanhei-te"... Como não sabia se era mesmo para mim (o mais provável) olhei disfarçadamente para trás mas, surpresa das surpresas, eu estava na ultima fila de mesas. Estranho, no mínimo. Se eu não fosse a estranha da miúda invisível talvez fosse lá pedir-lhe explicações ou assim, mas esse era o problema, eu era a estranha da miúda invisível.
       Quando deu o toque de saída da minha última aula da tarde saí disparada, tão disparada que não reparei que Afonso estava no meu caminho e fui de contra a ele.
       -Desculpa! - Ele lançou outro daqueles sorrisos marotos que me começavam a enervar.
       -Não tenho mel...
       -Não sou uma abelha. - Lancei-lhe o sorriso de volta e depois de fintar mais umas pessoas lá consegui sair da sala.
       Graças ao meu pequeno incidente consegui perder o autocarro, o que podia significar duas coisas: Ir a pé ou esperar eternamente pela minha mãe. Sinceramente não me apetecia muito ir a pé.
       *Tuuuu.... Tuuu... Daqui fala Antónia, de momento não posso atender, mas assim que estiver disponível retorno a sua chamada. Piiiiiiii." Bonito, a minha mãe ainda não tinha saído do trabalho, mas também mais meia hora e ela tinha chegado, por isso achei melhor esperar.. Óbvio que não ia ficar na entrada da escola, sozinha, à espera da minha mãe, então decidi ir explorar os bosques... uma das coisas que eu amava nesta escola é que era rodeado por vastos campos de relva, com algumas árvores e banquinhos de madeira. Visto que tinha todo o tempo do mundo decidi ir para lá dessas árvores... Ver se, quem sabe, descobria alguma coisa interessante.
       Depois de muito andar descobri um lago, onde acredito que ninguém vá, porque está incrivelmente limpo, e situa-se numa clareira, onde acredito que ninguém se arrisca a ir... Excepto eu, porque eu gosto de arriscar. Mal cheguei à clareira comecei a ter dê-já-vus. Imagens familiares apareciam na minha mente. Olhares, toques, sons... Senti-me zonza e deixei-me cair de joelhos no chão. Podia jurar que já tinha ali estado! De repente um sentimento de terror e alivio apoderou-se de mim, o vazio começou a encher-se, cores, traços e palavras sobrepostas corriam pela minha mente. Tentei-me esforçar para decifrar algumas delas... "Porque é que olhas-te para o colar, Afonso?" o que? Colar? Levei a mão ao peito e senti o delicado pendente a brilhar e a irradiar calor na minha mão. " Queres mesmo saber o que tu és?", "não somos mesmo humanos", "guerra entre os dois lados do céu", "isso faz de nós uma espécie de anjos", "És descendente dum romance proibido entre um humano e um anjo", "Não Gabriel, é muito perigoso!", "Corre", "Concentra-te nos meus olhos...", "NÃÃÃO!!!"
       -NÃO! Afonso! - senti o meu grito a ecoar pelo vazio da clareira.
       Agora lembrava-me de tudo! O sonho não era apenas um sonho! O sonho era verdadeiro, tinha acontecido, e eu sentei-me realmente ao lado de Afonso! O grito era dele! E quem me segurava era Gabriel! E a rapariga era Inês! Como é que me pode escapar tudo durante 3 meses? O vazio começava-se a preencher e pergunta invadiam a minha mente como uma injeção de alguma substância tóxica que me queimava os músculos à medida que invadia o meu cérebro. Deixei-me estar deitada no chão mais alguns minutos a tentar assimilar tudo o que tinha acabado de acontecer, a tentar perceber se era verdade ou não... A tentar perceber que raio é que se passava comigo e à minha volta! Senti o meu bolso a vibrar e com muita dificuldade consegui atender o telemóvel.
       -Sim, mãe?
       -Saí agora do trabalho. Ligaste-me para te ir buscar?
       -Sim... Podes vir?
       -Claro, mais 10 minutos e estou ai! Estás bem? Estás com uma voz estranha...
       Oh, acabei de descobrir que recentemente me apagaram a memória ou algo do género, descendo duma linhagem de semi-anjos, a minha qualquercoisa-avó envolveu-se sexualmente com um anjo, sentei-me ao lado do melhor borracho da turma, que por acaso me contou isto e tentou impedir que me apagassem a memória, ah, já mencionei que ele é um anjo? Pois, ele e os seus amigos! Ah, e querem o meu colar, que vá-se lá saber porque, só eu e é que lhe consigo tocar e usar o que quer que seja que ele tem para ser usado!!!
       -'Tá, estou só cansada, espero por ti na entrada da escola, beijinhos e até já.
       Pus-me em pé com dificuldade e cambaleei até fora da mini-floresta. Depois de esperar 5 minutos sentada no muro da escola a minha mãe chegou e fomos para casa. Acho que ela foi a falar comigo o caminho todo... Acho. Cheguei a casa, disse que não estava com vontade de jantar, e devia estar mesmo com cara de morta para a minha mãe aceitar sem me fazer perguntas. Meti a água a correr e enfiei-me dentro da banheira. Os banhos eram as únicas coisas que me ajudavam a relaxar. Era como se fossem um universo paralelo, onde todos os problemas desapareciam e ficava só eu, a espuma, o vapor e a água.
       Não conseguia dormir então fui-me por a ouvir musica com os phones, para ver se a minha mãe não acordava, quando tive a brilhante (ou não) ideia de ver se tinha o numero do Afonso no telemóvel... Adriana M, Adriana J, Afonso... Será que era ele? Bem, se não fosse, o que era o pior que podia acontecer?
       *Sei tudo.*
       Passados 2 minutos
       *Tudo o que? De que estás a falar?*
       O meu coração começou a bater muito forte, e, sem motivo aparente, comecei a chorar.
       *T.U.D.O. Tu sabes do que estou a falar*
       *Não faças nada precipitado. Desculpa por tudo*
       "Desculpa por tudo"?! A sério?! Acho que dada a situação eu merecia mais do que um desculpa por tudo! E com isso comecei a chorar ainda mais.
       Fiquei a chorar baixinho debaixo dos lençóis quando ouvi um barulho forte e seco. Dei um salto tão grande que o Ivan saltou para o chão (novamente!). Quando olhei para a janela vi Afonso com um ar muito sério a olhar para mim e tive de morder o lábio para não acordar a vizinhança com um grito descontrolado.
       -Afonso?! O que é que estás aqui a fazer?!
       -Mas vais-me deixar aqui ao frio ou posso entrar?